quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O momento é de reorganização. Nos últimos dias, a cabeça ia para um lado, o coração para outro, os pensamentos iam e voltavam, circulavam, não chegavam a lugar nenhum. Agora, a fonte de pensamento se foi, é preciso renová-la.

Francisco nasceu no interior da Paraíba, mudou-se ainda bebê para o Pernambuco vizinho e por lá ficou até criar o bigode que tanto valorizava. Antes de ter pelo na cara, trabalhou no que pode. Ajudou o patriarca, seu Luis, a cortar cana; ordenhou cabras com a dona Maria, comeu as costelas de bode que pode. Quando o sítio não foi mais suficiente para dar encher a boca dos irmãos, foi para cidade pequena procurar emprego. Com onze era apontador de jogo do bicho. Quando Jânio disse que os números se tornariam contravenção, largou a venda e foi vender outros bossas.

Os cálculos, porém, o encantaram. Já de barba, bigode e o cigarro que o tornavam um cabra de verdade, foi para São Paulo. Subiu no caminhão, chegou a Recife e rodoviou no Sul Maravilha. Vendeu borracha na Penha e com uma parte do material que comercializava apagava os erros que cometia na escola. Demorou, mas se formou.

Cuidadoso nas despesas, trouxe a primeira irmã, a segunda, o irmão, a mãe, o pai e o caçula para a cidade grande. De dia,no balcão, à noite, na cadeira, estudando. De madrugada, mantendo a família unida e revisando o que tinha ouvido na faculdade de meio dos anos 70.

Passados vinte e muitos anos, virou economista. Com diploma e tudo, para alegria da Dona Maria, que até hoje pouco entende de número, mas sabe de cor as contas que o filho fazia para sustentar os recém-chegados Medeiros. As músicas do Gonzagão embalavam seus dias e, insatisfeito com o fim da faculdade, continuou a ler. Numa dessas aulas da vida conheceu uma professora. A paixão de ambos pelas áreas rurais do Brasil grande os fizeram viajar. Subiram. De vida e cidade. De São Paulo para o Rio. Da Zona Leste à Sul. Do Tietê ao Carioca.

Na Cidade Maravilhosa, fez família, empregou-se e foi feliz. Gritou diretas, já, e chorou de alegria quando Lula chegou lá. Afinal, vendeu estrelas vermelhas para fazer aquele barbudo como ele, pernambucano como todos, chegar lá. Era tarde, porém, para refazer aquela vida. A crise provocada pelo narigudo de Alagoas (o que desonrava a "raça") o fez ficar sem emprego pela primeira vez em 40 anos. E da crise não saiu.

De médico, tinha pânico. Em algum lugar do passado, pessoas de branco foram temidas. e assim continuaram até não suportar mais. Aceitou conhecer um doutor e no mesmo dia foi para o hospital. De lá só saiu para, como diz a mãe, descansar com Nossa Senhora.

E por lá vai ficar. Em paz. Provocando saudade nos dois filhos de Francisco.